Review Completa: Lux da Rosalía

Review Completa: Lux da Rosalía

Rosalía entrega sua obra mais ambiciosa e vocalmente impressionante

Rosalía não é apenas mais uma cantora pop. Formada no prestigioso Colégio de Música da Catalunha, onde apenas um aluno é aceito por ano no programa de performance vocal de flamenco, a artista espanhola de 33 anos prova em “Lux” por que é considerada uma das vozes mais técnicas e expressivas da atualidade.

Este quarto álbum de estúdio é uma declaração ousada: em uma era de músicas curtas feitas para viralizar no TikTok, Rosalía entrega uma hora de música densa, complexa e absolutamente deslumbrante.

A Voz: O Verdadeiro Destaque do Álbum

Técnica Vocal Impecável

Se você valoriza talento vocal puro, “Lux” é um banquete para os ouvidos. Rosalía demonstra um controle vocal excepcional ao longo de todo o álbum, navegando com facilidade entre diferentes estilos e registros:

  • Falsete angelical: Em “Divinize”, sua voz aguda flutua sobre cordas cintilantes, criando momentos de pura beleza sonora
  • Ária operística: “Mio Cristo” (cantada inteiramente em italiano) é uma demonstração de seu treino clássico, com vocais que sobem a alturas emocionais impressionantes
  • Dinâmica emocional: Rosalía transita do grandioso e trovejante ao suave e sussurrado com controle absoluto

Cantando em 13 Idiomas Diferentes

Um dos aspectos mais ambiciosos de “Lux” é que Rosalía canta em 13 idiomas diferentes, incluindo japonês, árabe, português, ucraniano, latim e siciliano. Não se trata apenas de um truque de marketing – a cantora passou um ano trabalhando nas letras, colaborando com tradutores profissionais para garantir que cada frase soasse natural e correta musicalmente.

Esta dedicação demonstra o comprometimento da artista com a excelência vocal e artística, garantindo que a pronúncia e a entrega emocional sejam autênticas em cada idioma.

A Produção: Orquestra Sinfônica de Londres

“Lux” foi gravado em colaboração com a Orquestra Sinfônica de Londres, sob a condução de Daníel Bjarnason. Diferente do álbum anterior “Motomami” (2022), que era eletrônico e cheio de reggaeton, este trabalho coloca a voz de Rosalía no centro de arranjos orquestrais majestosos.

Destaques de Produção:

  • Cordas luxuriantes que criam atmosferas dramáticas e emotivas
  • Percussão trovejante que adiciona tensão e energia
  • Arranjos de sopros que elevam momentos cruciais
  • Órgão de igreja que reforça a temática espiritual

A produção é polida sem ser excessivamente limpa – há espaço para respirar, para que a voz brilhe como o verdadeiro instrumento principal.

As Músicas: Uma Jornada Espiritual

O álbum abre com “Sexo, Violencia y Llantas”, estabelecendo imediatamente a tensão entre o mundo terreno caótico e um plano espiritual mais elevado. Rosalía canta: “Como seria bom viver entre os dois mundos / Primeiro vou amar o mundo / Depois vou amar Deus”.

“Divinize” é um dos momentos mais vocalmente belos do álbum, com Rosalía cantando em falsete angelical: “Cada vértebra revela um mistério / Reze na minha coluna, é um rosário”.

“Berghain” é a faixa mais ousada do álbum, com participações de Björk e Yves Tumor. Nomeada em homenagem à famosa casa noturna de Berlim, a música combina órgão barroco, coral dramático e vocais operísticos em alemão. É caótica, provocativa e mostra Rosalía saindo completamente de sua zona de conforto.

“Mio Cristo” é uma ária italiana completa, onde a técnica vocal clássica de Rosalía brilha intensamente. Seus vocais sobem e descem com controle preciso, demonstrando por que ela é considerada uma cantora tecnicamente superior.

“Dios Es Un Stalker” (Deus É Um Stalker) traz uma perspectiva irônica e divertida sobre a onipresença divina. Rosalía canta com língua no rosto: “Sempre fui tão mimada / E desgastada por toda essa onipresença / Mas vou sequestrar esse coração / Vou persegui-lo e não terei piedade”.

“La Perla” é um dos momentos mais emocionalmente crus, onde Rosalía destrói um ex-namorado (supostamente Rauw Alejandro) sobre uma valsa bonita. Linhas como “Medalha de ouro em ser um filho da mãe” e “Lealdade e fidelidade / São línguas que ele nunca vai entender / Sua obra-prima / É sua coleção de sutiãs” são entregues com veneno elegante.

O álbum fecha com “Magnolias”, onde Rosalía imagina sua própria morte e transcendência: “Eu venho das estrelas / Mas hoje viro pó / Para voltar para elas”. É um final delicado e comovente para uma jornada épica.

O Conceito: Santos e Mártires Femininos

Para criar “Lux”, Rosalía mergulhou em hagiografias (biografias de santos) de mulheres santas de diferentes culturas e religiões. Ela estudou figuras como:

  • Hildegarda de Bingen
  • Joana d’Arc
  • Clara de Assis
  • Rosália de Palermo
  • Olga de Kiev (santa ortodoxa que massacrou milhares de homens da tribo responsável pela morte de seu marido)
  • Vimala (freira budista que foi prostituta antes de se tornar poeta e monja)

Essas mulheres, totalmente não convencionais e frequentemente trágicas, desafiaram as ideias tradicionais de santidade de Rosalía e ofereceram uma visão heterodoxa de divindade. O álbum explora temas de espiritualidade, amor, sexo, violência, morte e transcendência através dessas lentes femininas complexas.

Desafiando o formato pop atual

Em uma era onde a produção muitas vezes ofusca o talento vocal, “Lux” coloca a voz no centro absoluto. Rosalía não esconde atrás de autotune ou efeitos excessivos – sua técnica impecável é exposta em toda sua glória.

Com quase uma hora de duração, sem nenhum “hit” óbvio ou gancho viral, “Lux” é um protesto contra a cultura de gratificação instantânea. Como Rosalía disse recentemente: “Quanto mais estamos na era da dopamina, mais quero o oposto”.

Do flamenco ao pop, do eletrônico ao orquestral, Rosalía já provou que pode fazer de tudo. “Lux” adiciona ópera barroca e música clássica contemporânea ao seu arsenal, consolidando-a como uma das artistas mais versáteis da atualidade.

Lux não é um álbum “plano de fundo”

“Lux” é um álbum que vai dividir opiniões. Alguns vão achar pretensioso, longo demais, difícil demais. Outros vão reconhecê-lo como uma obra-prima geracional que coloca Rosalía ao lado dos maiores inovadores da música pop.

Como crítico que valoriza acima de tudo o talento vocal e a habilidade de cantar, posso dizer sem hesitação: Rosalía está no auge de seus poderes vocais em “Lux”. Cada nota, cada frase, cada transição demonstra anos de estudo, dedicação e paixão pela arte do canto.

Este é um álbum que merece ser ouvido, estudado e apreciado. Desligue seu telefone, feche as cortinas, aumente o volume e permita-se ser transportado por uma das vozes mais extraordinárias da música contemporânea. Este é um álbum que exige ser ouvido com atenção total, de preferência com bons fones de ouvido ou em um sistema de som de qualidade.

Este artigo foi escrito de forma independente e reflete a opinião crítica do autor sobre o álbum.


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