O Spotify anunciou recentemente um pacote de medidas para combater músicas geradas por inteligência artificial na plataforma. À primeira vista, parece um passo importante na direção certa. Mas quando analisamos com mais cuidado, fica claro que essas ações são insuficientes e não vão frear a invasão de conteúdo artificial que está prejudicando artistas reais.
O que o Spotify está propondo
A plataforma divulgou três principais medidas: regras mais rígidas contra imitação de vozes, um filtro de spam musical e a criação de um sistema de identificação voluntária para música gerada por IA. No papel, parece robusto. O Spotify afirma que removeu 75 milhões de faixas consideradas spam nos últimos 12 meses.
Mas aqui está o problema fundamental: o Spotify não vai proibir música gerada por IA. E não é por acreditar que essa tecnologia é inovadora ou está inaugurando uma nova era criativa. É simplesmente porque essas músicas geram streams. E streams significam dinheiro.
O problema real: música gerada por IA está por toda parte
Se você usa o Spotify regularmente, principalmente playlists como a Discover Weekly, provavelmente já percebeu algo estranho. Perfis de “bandas” com nomes genéricos, fotos retocadas demais e uma produção musical que soa… vazia. Sem alma.
O caso mais emblemático foi o do Velvet Sundown, um suposto grupo de psych-rock que acumulou mais de um milhão de ouvintes mensais antes de o criador admitir que era um “experimento social” . Nenhuma banda real existia, tudo era falso. E o mais chocante? As músicas ainda estão lá, acumulando milhões de reproduções e gerando royalties que poderiam ir para músicos de verdade.

Há também relatos de produtores de lo-fi que perderam milhares de dólares depois de serem substituídos por artistas artificiais nas playlists oficiais do Spotify. Não estamos falando de casos isolados. É uma infestação sistemática.
Por que as medidas são insuficientes
1. Sistema voluntário de identificação
O Spotify está criando um sistema onde artistas podem voluntariamente indicar se usaram IA. Voluntariamente. Você realmente acha que quem está criando fazendas de música gerada por IA vai honestamente marcar suas faixas como artificiais?
É como pedir para fraudadores se identificarem. Não funciona.
2. Filtro de spam conservador
O tal filtro de spam será implementado “de forma conservadora” ao longo dos meses. Ou seja, com medo de penalizar alguém por engano, a plataforma vai agir devagar enquanto o problema se multiplica a cada dia.
3. Nenhuma proibição real
Aqui está a verdade incômoda: o Spotify não tem incentivo financeiro real para acabar com música gerada por IA. Essas faixas geram bilhões de reproduções. Para a plataforma, tanto faz se quem está tocando é uma pessoa ou um algoritmo, o que importa são os números.
O impacto na música real
Enquanto isso, músicos independentes estão sendo sufocados. Suas músicas aparecem cada vez menos nas recomendações algorítmicas. Suas chances de serem descobertos diminuem. E o dinheiro dos royalties está sendo diluído por um oceano de conteúdo artificial.
Produtores de música ambiente, beats instrumentais e outros gêneros focados em música de fundo estão entre os mais afetados. Afinal, se você quer uma playlist para trabalhar ou relaxar, o algoritmo do Spotify pode muito bem te entregar 10 faixas de música gerada por IA sem que você perceba.
E aí está o ponto: muitas pessoas não conseguem distinguir. E se não conseguem distinguir, por que o Spotify se daria ao trabalho de removê-las?

O que realmente deveria ser feito
Se o Spotify quisesse de verdade proteger artistas e a integridade da música, precisaria ir muito mais longe:
Identificação obrigatória e visível: Toda música gerada por IA ou com qualquer componente artificial deveria ter uma marcação clara e visível, não escondida em créditos técnicos que ninguém lê.
Exclusão de algoritmos de recomendação: Músicas identificadas como música gerada por IA não deveriam aparecer em playlists editoriais ou nas recomendações personalizadas dos usuários.
Opção para usuários: Deveria existir uma configuração simples, como existe para conteúdo explícito, onde usuários pudessem optar por não receber recomendações de música gerada por IA.
Remoção de fazendas de conteúdo: Perfis que fazem upload em massa de músicas genéricas deveriam ser banidos, não apenas “não recomendados”.
A verdade desconfortável
O Spotify sempre foi uma plataforma guiada por dados e algoritmos, não por cultura musical. A empresa nunca demonstrou interesse genuíno em curadoria artística ou em proteger a integridade da música como forma de arte. O que importa são métricas de engajamento e retenção de usuários.
As novas medidas são uma resposta à pressão pública, especialmente depois que diversos artistas importantes começaram a remover suas músicas da plataforma em protesto. Mas são medidas calculadas para acalmar os ânimos sem realmente resolver o problema de fundo.
O futuro da música em plataformas de streaming
Se essas medidas fracas se tornarem o padrão da indústria, estamos caminhando para um cenário preocupante: plataformas de streaming inundadas de música gerada por IA genérica, enquanto artistas reais lutam cada vez mais por visibilidade e compensação justa.
A tecnologia de IA não é inerentemente ruim. Pode ser uma ferramenta criativa poderosa nas mãos de artistas reais. O problema é quando ela se torna uma máquina de spam, criada apenas para extrair royalties sem agregar nada de valor artístico ou cultural.
O Spotify tem o poder, os recursos e a responsabilidade de fazer a coisa certa. Mas escolheu fazer o mínimo possível. E enquanto isso, a música real, aquela feita com suor, criatividade e anos de dedicação, continua sendo sufocada por um mar de mediocridade artificial.
Um band-aid em uma ferida profunda
As novas políticas do Spotify são medidas que soam bem em comunicados de imprensa, mas que na prática mudam pouco. Enquanto a plataforma não tomar decisões mais corajosas e colocar a proteção de artistas reais acima de métricas de engajamento, o problema só vai piorar.
A pergunta que fica é: quantos músicos talentosos vão desistir antes que as plataformas de streaming finalmente tomem uma atitude real? E quando isso acontecer, será tarde demais?
Você já percebeu música gerada por IA no seu Discover Weekly? Qual sua opinião sobre o impacto da inteligência artificial na indústria musical?
Quer contribuir com o site? Envie seu artigo aqui.



