Até quando vamos ignorar a saúde mental dos artistas?

Saúde mental dos artistas

Há exatos 8 anos, o mundo da música perdia Chester Bennington, vocalista do Linkin Park, dono de uma das vozes mais marcantes dos anos 2000. Seu falecimento em 20 de julho de 2017, tirando a própria vida, deixou um vazio profundo em milhões de fãs — e trouxe à tona, mais uma vez, a urgência de falar sobre saúde mental no universo artístico.

Mas o que mudou desde então?

Pelo visto, pouco. Ainda somos pegos de surpresa quando um artista sofre uma overdose. Ainda nos assustamos quando vemos um ídolo declarar que está em depressão. Ainda ignoramos os alertas que aparecem nas letras, nos comportamentos e até nos palcos.

Enquanto isso, o combo “drogas + genialidade” segue sendo quase um clichê da música. Mas será que é mesmo preciso sofrer tanto para criar?

O mito do artista “perturbado”: até quando?

Desde os tempos de Janis Joplin, Jim Morrison e Kurt Cobain, há um imaginário coletivo que associa criatividade com desequilíbrio. Como se a dor fosse um combustível necessário para compor grandes álbuns ou escrever letras inesquecíveis. Como se o sofrimento emocional e o uso de substâncias psicoativas fossem, de alguma forma, o “preço” a se pagar pelo talento.

Chester Bennington já falava abertamente sobre seus traumas. Sobre a infância marcada por abusos, sobre a luta contra a depressão, contra o álcool, contra as drogas. Suas letras eram confissões em forma de grito. Canções como “Crawling”, “Somewhere I Belong” e “One More Light” mostravam a batalha interna de alguém que pedia ajuda — mesmo quando o mundo aplaudia de pé.

E a verdade é dura: muitos escutaram, mas poucos realmente ouviram.

O palco é bonito, mas os bastidores são sombrios

O que vemos de fora — shows lotados, prêmios, fama, glamour — é apenas a ponta do iceberg. Por trás, há turnês exaustivas, cobranças criativas, solidão, pressão por relevância e o medo constante de “não ser mais suficiente”. É nesse contexto que drogas e álcool muitas vezes surgem como válvulas de escape. Primeiro como alívio. Depois como dependência.

E o mais assustador é que isso já virou parte da cultura da música. Quase um “manual não escrito” de sobrevivência.

Só nos últimos anos, perdemos nomes como Mac Miller, Juice WRLD, Avicii, Chris Cornell (grande amigo de Chester e falecido apenas dois meses antes), DMX, Taylor Hawkins e tantos outros que lidaram com dores profundas — físicas e emocionais — sem suporte adequado.

Precisamos falar sobre saúde mental. E não só quando alguém morre.

É comum ver homenagens póstumas, hashtags, shows em memória. Mas o que é feito antes da tragédia? Quantas gravadoras têm empatia? Quantos fãs incentivam o descanso dos seus ídolos em vez de exigir um novo hit por semana? Quantos artistas conseguem dizer “não estou bem” sem medo de parecerem fracos?

Não dá mais para tratarmos esse tema como tabu ou “drama de famoso”. Depressão, ansiedade, bipolaridade e vícios não escolhem classe social. E no universo artístico, são ainda mais silenciosos por causa da cultura do “performance perfeita”.

Drogas e criatividade: uma relação que precisa ser desmitificada

Existe uma ideia perigosa de que a genialidade artística só floresce quando há desequilíbrio, vício ou sofrimento. Isso é falso — e injusto com tantos criadores que produzem arte incrível de forma saudável.

É claro que muitos artistas relatam experiências criativas sob efeito de substâncias. Mas a questão é: isso deveria ser o padrão? Ou será que aprendemos a romantizar um ciclo que, na verdade, destrói vidas?

Não se trata de moralismo. Trata-se de responsabilidade cultural. De entender que arte não precisa vir do fundo do poço. Pode vir do amor, da alegria, da observação, do cotidiano. E que talento não precisa se alimentar de autodestruição.

Que tipo de indústria queremos?

Talvez seja hora de repensar a forma como tratamos nossos artistas. De cobrar menos “perfeição” e dar mais espaço para pausas. De valorizar mais a saúde mental do que o engajamento. E de lembrar que por trás de cada performance poderosa, há um ser humano — com medos, inseguranças, vícios, desejos.

Se continuarmos romantizando a dor como fonte de arte, vamos continuar perdendo vozes que ainda tinham muito a cantar.


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