Olá, amantes do true crime e da boa música!
Se você, assim como nós do Muzicado, está maratonando a série “Tremembé” no Prime Video, provavelmente notou que há algo de profundamente instigante na forma como a produção escolheu contar a história dos detentos mais famosos do Brasil. Longe de ser apenas mais um drama carcerário, a série baseada nos livros do jornalista Ullisses Campbell sobre a vida pós-crime de figuras como Suzane von Richthofen, Elize Matsunaga e Alexandre Nardoni, nos leva para dentro do “Presídio dos Famosos”, o Complexo Penitenciário de Tremembé, em São Paulo.
Mas, o que realmente faz essa série vibrar (e, convenhamos, gerar tanto burburinho nas redes) é a sua trilha sonora. Ela não é só um pano de fundo; é um personagem à parte, um comentário irônico e, por vezes, poético sobre a dualidade entre a vida que esses condenados levavam e a realidade claustrofóbica da prisão. Prepare-se para mergulhar em uma análise que conecta o peso das grades com o ritmo das canções.
Sobre a Série
“Tremembé” é uma minissérie de ficção que se aprofunda na rotina, nas relações de poder e nas dinâmicas de convivência de criminosos notórios do Brasil, todos cumprindo pena no Complexo Penitenciário de Tremembé. O foco não está em revisitar os detalhes sórdidos dos crimes que chocaram o país, mas sim em mostrar o pós-crime, a “humanidade” perturbadora por trás da monstruosidade midiática.
A narrativa acompanha a chegada de novos presos, a formação de alianças improváveis (como o polêmico relacionamento entre Suzane von Richthofen e Elize Matsunaga), e as pequenas batalhas diárias por status e sobrevivência dentro dos muros. É uma lente de aumento sobre como o sistema prisional lida com a notoriedade e como esses indivíduos buscam (ou fingem) a redenção sob o olhar implacável do público.

A Genialidade da Curadoria Musical
O que mais impressiona na trilha sonora de “Tremembé” é a coragem de sua curadoria. Ao invés de optar pelo caminho seguro de composições originais genéricas, a supervisão musical apostou em um ecletismo ousado que transita entre décadas, gêneros e continentes – sempre com propósito narrativo.
O Rock Clássico Como Metáfora
A escolha de “All Along the Watchtower” de Jimi Hendrix como música de abertura não é acidental. A versão icônica do guitarrista para a composição de Bob Dylan carrega em si uma tensão palpável, com seus riffs distorcidos que soam como um aviso. A letra, que fala sobre observadores em torres de vigia e a sensação de que algo está prestes a acontecer, funciona como uma metáfora perfeita para o ambiente prisional – onde todos observam e são observados.
“Time of the Season” do The Zombies surge em momentos estratégicos, trazendo aquela atmosfera psicodélica dos anos 60 que contrasta de forma perturbadora com cenas de maior densidade emocional. É o tipo de escolha que desestabiliza, e é exatamente esse o objetivo.
Já “Psycho Killer” do Talking Heads dispensa apresentações. A paranoia nervosa da canção, com seu baixo pulsante e a voz angustiada de David Byrne, eleva qualquer cena de suspense a outro patamar. Quando essa música toca, sabemos que algo perturbador está acontecendo ou está por vir.
A Potência da MPB e da Música Brasileira Contemporânea
Se o rock clássico internacional estabelece o clima de tensão, a música brasileira traz a alma e a identidade para “Tremembé”. “Perigosa” de Ana Cañas, do EP “Nelson 70”, adiciona uma camada de sensualidade perigosa à narrativa. A voz rouca e potente de Cañas empresta uma atmosfera de risco calculado.
“Vamos Fugir” de Gilberto Gil é um dos momentos mais poéticos da trilha. A música, que fala sobre escapar da rotina e buscar liberdade, ganha dimensões trágicas quando contextualizada no universo prisional. É impossível não se emocionar com a ironia dolorosa dessa escolha.
Rita Lee aparece com “Reza”, em parceria com Roberto de Carvalho, trazendo aquele rock brasileiro direto e visceral que a rainha do rock nacional sempre entregou. A música funciona como um respiro mais urgente em meio à tensão constante.
A Diversidade da Cena Pop Nacional
A série não tem medo de abraçar a diversidade da música pop brasileira contemporânea, com“Corpo Sensual” de Pabllo Vittar com Mateus Carrilho do álbum “Vai Passar Mal” e “Corpo Fechado” de Johnny Hooker com Gaby Amarantos.
Johnny Hooker volta com “Volta”, do icônico álbum “Eu Vou Fazer Uma Macumba Pra Te Amarrar, Maldito!”, trazendo aquela energia teatral e dramática que é sua marca registrada.
“Vida Loka (Pt 1)” do Grelo ressignifica o clássico dos Racionais MC’s, trazendo uma leitura contemporânea que dialoga diretamente com a realidade das periferias brasileiras e do sistema prisional. É uma escolha que conecta a série com as raízes sociais que ela pretende explorar.
O Lado Experimental e Indie
“Alala” do CSS (Cansei de Ser Sexy) do álbum homônimo adiciona aquela energia punk-dance que o grupo ficou conhecido mundialmente. É descompressão sonora em forma de música, momentos onde a série respira antes de mergulhar novamente na tensão.
“Lips” de Silvia Machete do álbum “Rhonda” representa a cena indie brasileira com uma sonoridade mais intimista e experimental. “Você não Valorizou” de Aíla traz uma vulnerabilidade que contrasta com as escolhas mais pesadas da trilha.
Clássicos e Atmosfera
A inclusão de “Clair de Lune” de Claude Debussy é um momento de respiro lírico. A peça impressionista francesa, uma das mais reconhecíveis da música clássica, cria um contraste gritante com o ambiente hostil da narrativa, talvez lembrando que beleza e humanidade ainda existem, mesmo nos lugares mais improváveis.
“Monsters (Acoustic Version)” de Ruelle e “In Dreams” de Roy Orbison fecham a trilha com uma atmosfera onírica e melancólica. Orbison, com sua voz inconfundível, traz aquela nostalgia dos anos 60 que ao mesmo tempo conforta e perturba.
A Função Narrativa da Música
O que torna a trilha sonora de “Tremembé” excepcional não é apenas a qualidade individual das músicas escolhidas, mas como elas funcionam em serviço da narrativa. Cada canção foi pensada para amplificar emoções, criar contrastes e, principalmente, para contar histórias.
A alternância entre rock clássico internacional e música brasileira contemporânea reflete a própria dualidade dos personagens, divididos entre diferentes mundos, códigos morais e realidades. Quando Jimi Hendrix dá lugar a Johnny Hooker, ou quando Debussy precede Pabllo Vittar, a série está dizendo algo sobre hibridismo, sobre a impossibilidade de categorizar pessoas em caixas simples.
Uma Identidade Sonora Brasileira
“Tremembé” consegue algo raro: criar uma identidade sonora que é inequivocamente brasileira sem cair em estereótipos. A série não usa samba ou bossa nova como atalhos para “soar brasileira”. Ela mergulha na diversidade real da música produzida no país, desde o rap periférico até o pop queer, passando pelo rock e pela MPB.
Considerações Finais
A trilha sonora de “Tremembé” é um exemplo perfeito de como a música pode elevar uma produção audiovisual. Cada escolha musical funciona como uma camada adicional de significado, transformando cenas boas em cenas memoráveis.
Para os fãs de música, a série é um presente. Um um catálogo eclético que convida a descobertas e redescobertas. Para os espectadores em geral, é uma experiência imersiva onde o som não é apenas acompanhamento, mas parte essencial da linguagem narrativa.
Se você ainda não assistiu “Tremembé”, a trilha sonora é mais um motivo para dar play. E se já assistiu, vale a pena revisitar as cenas com atenção especial às escolhas musicais. Você vai descobrir novas camadas de uma série que, como suas músicas, não tem medo de arriscar.
Disponível em: Amazon Prime Video.
Este artigo foi escrito de forma independente e reflete a opinião crítica do autor sobre a série e sua trilha sonora.
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