A comunidade musical vive um momento de tensão crescente. Artistas, gravadoras e organizações do setor estão criticando duramente a presença de músicas geradas por inteligência artificial (IA) em plataformas de streaming, em especial o Spotify, que tem hospedado obras fraudulentas — atribuídas até a artistas falecidos — sem consentimento, prejudicando reputações, direitos autorais e renda legítima dos músicos.
Músicas falsas aparecendo em perfis oficiais
Recentemente, foram encontradas faixas atribuídas a artistas como Blaze Foley e Guy Clark, ambos mortos há décadas, publicadas por distribuidores sem qualquer autorização. O caso mais emblemático envolveu a música “Together”, presente no perfil oficial de Blaze Foley; segundo Craig McDonald, dono do selo que gerencia a carreira de Foley, a faixa “parece claramente um AI schlock bot”, algo completamente fora do estilo original do músico. O Spotify removeu essas músicas por violarem sua política de conteúdo enganoso, mas o estrago já havia sido feito na confiança de fãs e familiares.

Em outro exemplo recente, o site oficial do Toto listou uma faixa instrumental chamada “Name This Night”, sem envolvimento da banda. O guitarrista Steve Lukather ingressou com queixa formal, afirmando surpresa e desapontamento por ver músicas não oficiais aparecerem em páginas verificadas de artistas ativos.
Fraudes via bots e artistas fictícios
O problema não se resume a heranças mal protegidas. Casos como o da banda totalmente criada por IA, The Velvet Sundown, que chegou a ultrapassar 1 milhão de ouvintes mensais no Spotify antes de admitir que nenhum de seus integrantes era real, mostram como sistemas vulneráveis podem ser explorados. A empresa Syntax Error, responsável pelo upload de material atribuído a artistas falecidos, também se viu no centro de polêmica por publicar faixas duvidosas em catálogos oficiais da plataforma.
Essas produções têm contornos bem arquitetados: geram conteúdo artificial em massa, usam bots para inflar as estatísticas de streaming e, com isso, desviam royalties de criadores reais para bolsos errados. Mesmo que cada stream fraudulento renda apenas frações de centavos, a escala dessa operação causa prejuízo real ao ecossistema musical.
Reação dos artistas e da indústria
Artistas renomados e coletivos têm se posicionado firmemente contra essa prática. Bandas como Snarky Puppy, The Sweet Enoughs, Hiatus Kaiyote e nomes como Anderson .Paak, Rapsody, Willow Smith e Kimbra assinaram carta aberta exigindo que plataformas e distribuidores adotem sistemas de autenticação eficientes como requisito mínimo. Eles apontam que, sem verificação rigorosa, os serviços de streaming correm o risco de se tornar um mar de falsas identidades digitais.
Os riscos de um sistema reativo
Embora o Spotify afirme dedicar recursos técnicos para monitorar e remover conteúdo enganoso, críticos argumentam que suas ações são quase sempre reativas — acionadas após denúncias de terceiros. Estudos recentes mostram que dezenas de milhares de músicas geradas por IA foram retiradas da plataforma, incluindo uploads da startup Boomy, que automatiza criação e lançamento de faixas. Mesmo assim, especialistas afirmam que o volume de conteúdo falso continua crescente, evidenciando uma falha estrutural na triagem de novos uploads.
Consequências para artistas independentes
Artistas independentes são especialmente vulneráveis. Muitos relatam que seus próprios perfis e lançamentos foram penalizados por sistemas automáticos de detecção que interpretam picos de streaming como fraudes — mesmo quando justificáveis. Isso prejudica visibilidade, confiança e, claro, a renda justa por seu trabalho criativo. Enquanto isso, leis de royalties ficam cada vez mais desenhadas para favorecer grandes catálogos e algoritmos, em detrimento de talento real.
O que precisa mudar
Para proteger criadores e preservar a integridade da indústria, plataformas como Spotify e Deezer devem implementar políticas mais rigorosas. A comunidade propõe:
- Verificação de identidade obrigatória para uploads ligados a artistas reais (especialmente aqueles com histórico estabelecido).
- Sistema de alerta preventivo, não apenas reativo, para detectar conteúdos gerados por IA antes da publicação.
- Processo transparente de apelação, evitando que artistas legítimos sejam penalizados injustamente.
- Cooperação com gravadoras, desenvolvedores de tecnologia e órgãos reguladores para combater fraudes de forma global.
Autenticidade salva a música
A inundação de músicas falsas criadas por IA não é apenas uma anomalia tecnológica. É um alerta vermelho para toda a indústria criativa. Quando consumidores escutam música que nunca foi feita por mãos humanas, artistas reais perdem visibilidade, receita e, mais grave ainda, respeito. A credibilidade do serviço de streaming e a confiança do público estão em jogo.
Só com infraestrutura técnica forte, cooperação global e comprometimento com a autenticidade será possível virar o jogo. Até lá, a comunidade musical continua em pé de guerra: exigindo proteção, transparência e reconhecimento para quem de fato cria.
Já não basta lidar com as “músicas” carregadas de autotune, agora temos essa das músicas e artistas criados por IA. Que fase!
Fontes:
- The Guardian – AI, bot farms and innocent indie victims: how music streaming became a hotbed of fraud and fakery
- Business Insider / Financial Times – Spotify removes thousands of AI-generated songs
- Deep Waves Music – How a Brazilian man tricked Spotify with 400+ AI‑generated tracks
- Wired, WIPO Magazine – Streaming farms, AI fraud and industry impact